Pinacoteca do Estado de São Paulo: Museu ou museu?

As exigências atuais de espaços públicos mais próximos á cidadania, tem questionado o papel da arquitetura e das artes. Assim como existe um debate sobre a Arquitetura, com A maiúscula, como peça de arte onde o importante é a forma e a beleza física, e aquela com a minúscula, onde o importante é o que acontece nos espaços desenhados, no mundo artístico, tem um debate também sobre o posicionamento e a ação das instituições de arte na sociedade.[1]

Parece que a Pinacoteca do Estado de São Paulo  é um exemplo desse debate, é tanto “o Museu”, a mais antiga e sólida instituição de arte em São Paulo, como um outro “museu de portas abertas”. E por isso que quando a gente visita a Pinacoteca sente uma admiração e um orgulho pelo museu, ao mesmo tempo em que se sente uma leveza no percurso pelas salas e exposições? 

O acervo, que hoje contém mais de 10 mil obras, começou com apenas 20 no início.  Foi crescendo com pinturas e esculturas de artistas e de estudantes, quando a Pinacoteca era o Liceu de Artes e Ofícios. Um espaço de aulas públicas e gratuitas que cresceu e cresceu. Nos anos 20, o museu já tinha ao redor de 15.000 visitantes ao ano.

A Pinacoteca é um encontro com a história, porque esse espaço contém tempo. Ela tem mais de cem anos aberta ao público; fundada em 1905, como o primeiro museu da cidade, com a perspectiva de abrir para a cidadania o conhecimento artístico. Um projeto tanto de conter a arte de colecionistas, como de ensino.[2]

Porque o atual repositório, além de ser uma representação artística de enorme influência mundial, tem uma coleção especial que é um retrato artístico da história do Brasil. Essa mostra, permanente desde 1998, apresenta diferentes autores e estilos artísticos de uma maneira cronológica, o que permite ao visitante compreender o desenvolvimento do pensamento ideológico do país desde o contexto de cada época, desde a colônia até o anos de 1930: a consolidação das  Belas Artes no Brasil.[3] 

O prédio é uma “peça de arte em si mesma”. Este foi projetado nos anos 1868, num estilo neoclássico por uma equipe do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, quem é reconhecido como “o arquiteto da cidade de São Paulo”. Porém, é uma “escultura habitável”, que mostra o estilo da época gloriosa do crescimento urbano da capital com a indústria cafeeira.

Símbolo do desenvolvimento, esta “casa da arte” foi erguida numa parte importante da cidade naquela época. Frente à Estação Luz de trem, que conectava a cidade com o norte e no interior do país, e à frente do primeiro parque público, Jardim da Luz. O conjunto de prédios e infraestrutura pública nesse bairro significava a expansão da civilização moderna e a conquista da natureza pelo homem e seu conhecimento, sua engenharia, sua arte.

A Pinacoteca é, com certeza, um museu com M maiúsculo. Ela faz uma homenagem às pinacotecas gregas, as quais tinham a ideia de serem espaços reservados, de solenidade, de aprendizagem, de silêncio, de grandeza.

Mas, a Pinacoteca é mais do que isso. Ela é grandiosa, porque é tão permanente no seu simbolismo artístico quanto livre e leve, ironicamente, na sua maneira de aproximar-se e abrir-se a seu cambiante contexto físico e social.

O acervo, antes mencionado de conter a mostra da genealogia das Belas Artes (brasileiras), na atualidade, é uma coleção mais ampla e diversa: sempre adicionando novas peças contemporâneas que discutem e confrontam a mesma história institucional do país, trazendo novas ligações geográficas entre países da América Latina, da África, e questionando o próprio estatuto das artes.

Esse surgimento de uma Pinacoteca mais crítica e propositiva, também teve um reflexo na reconfiguração física e na remodelação do prédio no final do século XX.

Depois de idas e voltas do museu para outras bairros, o palácio sofreu algumas mudanças físicas e programáticas, e por falta de tempo e verbas, o prédio nunca foi completado segundo o plano original. Com pouca manutenção, espaços não necessariamente adaptáveis para exposições contemporâneas, e uma imagem desgastada, a instituição estadual, junto com  a Associação Amigos da Pinacoteca do Estado, planejaram o tempo para uma nova cara da Pinacoteca nos anos noventa. O que procuravam era um projeto arquitetônico para trazer nova luz ao museu.

É assim que os arquitetos Paulo Mendes da Rocha[4] e Eduardo Colonelli foram convidados para desenhar a grande transformação, com a ideia de inserir na pré-existência novas lógicas espaciais, sem perder a essência do espaço original.

A construção trouxe simples mas importantes gestos de mudança: Por um lado, tiraram materiais superficiais, deixando o tijolo vermelho apresentar-se cru e elegante tanto para o interior como para o exterior da construção. O projeto «buscou desvendar o que estava lá”[5] são palavras do arquiteto Mendes da Rocha.

De outro lado, o prédio, antes organizado a partir de pátios e salas de exposição periféricas, foram intercalados por pontes que atravessam os vãos, conectando as salas num novo eixo norte-sul. Essa nova tensão fez o prédio girar e abrir-se para a rua principal do acesso atual, ampliar percursos, e gerar novas vistas. Com isso, os pátios e as pontes são novos espaços de exposição, uma experiência ampliada além das salas convencionais de mostra da arte.[6] 

O resultado: uma arquitetura que não subordinou a intervenção à temporalidade e à historicidade da instituição, mas soube como intervir no prédio e, assim, achar a complementaridade entre o velho com o novo em um mesmo projeto.

Desde que a Pinacoteca foi reaberta, em 1998, a ideia do museu também ressurgiu com novos paradigmas. Chegaram novos visitantes, turistas, novos olhos e interesse no prédio, na coleção, nas novas e sempre diversas exposições temporais. [7]

Essa nova cara foi uma desculpa para repensar o que um museu no século XX tem de ser: mais acessível, em contato com o seu contexto, falando com a sociedade tanto “ilustre” quanto comum.

Essa energia de mudança despertou o interesse no bairro, que também havia sido abandonado nas décadas anteriores. O jardim vizinho, Jardim da Luz, também com problemas de manutenção histórico, foi restaurado no mesmo ano, com uma mostra de esculturas que deu início à conversações formais e programáticas entre o parque e o museu. A Pinacoteca expandiu-se.

A sua abertura vai além do parque. Hoje, o museu oferece programas para crianças, para as famílias; tem cursos de inclusão social, tem um portal de visitação digital e mantém-se economicamente acessível para todos.

A Pinacoteca, tão magnífica, tão sublime, pode ser ao mesmo tempo um lugar do comum, do modesto. Parece reinventar-se todo dia, sem esquecer o projeto original: uma instituição pública, forte e elegante, sempre de caráter social, onde a arte e a arquitetura são peças para admirar, e para pensar.

Quando os museus, esses importantes santuários da arte, ainda ficam válidos nestes momentos de grandes e rápidas transformações ensinando, apresentando a historia, mas também questionando, se reinventando… é que se têm M maiúsculo e m minúsculo.


[1] https://journals.openedition.org/midas/1016

[2] http://pinacoteca.org.br/a-pina/sobre-a-pinacoteca/

[3] http://pinacoteca.org.br/programacao/arte-no-brasil/

[4] http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa20547/paulo-mendes-da-rocha

[5] http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.007/951

[6] https://www.youtube.com/watch?v=L2u67PEU-SI

[7] http://pinacoteca.org.br/atividades-2/